Os espaços e lugares são um convite à reflexão da criação, da produção de espaços. As "Lições de arquitetura" de Herman Hertzberger passam por diversos conceitos que, espacializados, se abrem em maior ou menor grau a ocupação e o uso.
O espaço é responsável, na medida em que responde, e essa responsabilidade é recíproca, espaço e habitantes se respondem e é na medida da resposta que o espaço é apreensível. Não é portanto uma materialidade absoluta, mas depende da interpretação de quem interage.
Se não é sozinhas que produzimos os espaços, como futuras arquitetas daremos à eles a forma, as estruturas mínimas.
A Casa da Glória, em Diamantina, Minas Gerais, começou a ser construída em 1775 e ao longo do tempo os usos que teve foram os mais diversos na vida da cidade. Uma estrutura que em sua constância é capaz de absorver a mudança.
"a urdidura estabelece o ordenamento básico do tecido e, ao fazê-lo cria a oportunidade para que se consiga a maior variedade e colorido possíveis junto com a trama" (Hertzberger)
A Casa da Glória deu ao tempo a oportunidade de ocupá-la, como a urdidura em que diversas tramas são possíveis, que é ao mesmo tempo restrição e que resulta em expansão das possibilidades de adaptação, a construção foi sendo refeita e se acomodando aos usos.
A Casa da Glória hoje responde ao instituto de geociências, UFMG. É aberta ao público que pretende visitá-la e frequentemente hospeda turmas, como a nossa, durante trabalhos de campo.
Os usos múltiplos desse espaço são negociados pelos que ali estão por mais ou menos tempo, e é esse tempo que caracteriza o acesso e a responsabilidade, o público e o privado. Há lugares articulados pelo uso público, como as salas de exposição, e outros pelo uso privado, como os quartos, acessos que são regulados pela forma, portas e avisos, ou pela interação entre os usuários-habitantes.
Se nas construções modernistas, como na villa savoye as paredes curvas proclamavam sua libertação da função de suportar o peso (Hertzberger), na casa da glória as paredes curvas indicavam o tempo que já suportaram, cedendo e sendo continuamente reforçadas. A irregularidade da construção pode ser notada nas paredes, na textura não uniforme do chão de madeira, são materiais que se acomodam com o tempo e se modificam, não são estáticos.
A irregularidade enquanto espaço aparece também em pequenas sobras, como muros baixos e um piso alto que passa pela margem do pátio maior; espaços em que é possível encostar, ou sentar-se: convites breves.
Escolhemos para a nossa intervenção espaços-lugares no segundo andar, chamamos de complexo os três corredores que tem vista para o pátio maior da Casa. Dali de cima se observa além do pátio, a própria casa, as janelas, treliças, paredes e o contraste marcado entre o branco das paredes e o azul de todas as bordas. As janelas formam tramas de olhares, que se cruzam entre os três lados, uma comunicação de vizinhança.
Os corredores são interdependentes tanto em aspectos formais quanto de uso, são partes conectadas, articuladas por uma gradação de acesso, que vai se tornando mais restrito. A restrição que pode ser notada nos corredores é determinada pelos espaços adjacentes que os corredores articulam: o espaço de reuniões e salas de exposições no primeiro corredor e os quartos e banheiros no segundo e terceiro corredor.
As intervenções que propomos nos pareceram responsáveis, se colocam em diálogo, em abertura e provocação.
- no primeiro corredor colocamos pequenos bancos azuis que produzem sons quando acionados. Sempre que alguém se senta os sons ambientes começam a tocar, sons de passos nos assoalho de madeira, sons do vento, sons de oração - o que determina qual som toca é quais dos banquinhos são ativados e a distância entre eles - se o usuário não quiser ouvir pode movimentar a treliça lateral que os sons cessam. A possibilidade de sentar-se pode induzir uma apropriação temporária.
- no segundo corredor há rochas suspensas, presas no teto por fios que se movimentam verticalmente a partir do volume dos sons produzidos no corredor, produzindo no conjunto das rochas um efeito ondulatório. As memórias da casa interagem. O alto pé direito se torna uma dimensão mais apreensível pelo corpo.
- no terceiro corredor dispusemos tapetes triangulares estruturados internamente de forma que podem ser moldados, permanecem com o formato da dobra, e podem ser carregados pelos habitantes-usuários. A irregularidade do piso é reforçada pela sobreposição de peças triangulares, as peças tornam-se micro-espaços.
A materialidade e a imaterialidade estavam desde sempre presentes na comunicação arquitetônica. A imaterialidade colocada nessas superfícies aumenta a responsabilidade, entendida como resposta, entre sujeitos e objetos.
Nos espaços entre dispusemos objetos, que como obstáculos se interpõem entre sujeitos e espaço abrindo-se à interpretações. As formas abrigam diferentes interpretações, e também interpretam nossa presença. São pequenas estruturas às quais a vida pode se ligar. Urdiduras móveis às quais um devir-trama pode se compor.
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